Nos últimos dias, uma polêmica vem ganhando espaço nas discussões públicas: o Governo Federal está estudando a possibilidade de autorizar a venda de alimentos vencidos no Brasil. A ideia, segundo os defensores da medida, é reduzir o desperdício de comida e tornar os produtos mais acessíveis para a população de baixa renda. Mas, como em qualquer tema sensível, há uma série de pontos que levantam preocupações.
De acordo com o Ministério da Agricultura, a proposta ainda está em fase de estudo e teria como base experiências internacionais. “Diversos países, como França e Canadá, já adotam medidas para minimizar o desperdício de alimentos, mas cada contexto é único. O Brasil é um país com desafios estruturais diferentes e precisamos avaliar todos os impactos dessa possível decisão”, explicou a ministra Tereza Cristina, durante coletiva de imprensa na última quarta-feira (23).
Problemas e preocupações
Uma das principais preocupações é com a segurança alimentar. Especialistas alertam que a ingestão de alimentos vencidos pode causar riscos à saúde, como intoxicações alimentares, problemas gastrointestinais e, em casos mais graves, reações alérgicas severas. A nutricionista Ana Paula Ribeiro, em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, ressaltou: “Nem todo alimento vencido está impróprio para consumo, mas é difícil para o consumidor comum identificar isso com precisão. O risco de erros é alto”.
Outro ponto levantado é o impacto na percepção do consumidor sobre a qualidade dos produtos. Para o economista e analista de mercado Eduardo Moreira, a medida pode criar uma divisão ainda maior entre as classes sociais. “Imagine um cenário onde os alimentos frescos e dentro do prazo são privilégio de quem pode pagar mais caro, enquanto os produtos vencidos são direcionados às camadas mais pobres. Isso pode reforçar a desigualdade social em vez de mitigá-la”, afirmou Moreira, em artigo publicado na revista “Exame”.
Casos semelhantes em outros países
No exterior, iniciativas semelhantes foram implementadas com certos cuidados. Na França, por exemplo, supermercados são proibidos de jogar fora alimentos que ainda possam ser consumidos, mesmo que estejam próximos do vencimento. Esses produtos são doados para instituições de caridade ou vendidos a preços reduzidos, mas sempre com transparência sobre suas condições.
Já nos Estados Unidos, algumas redes de supermercados oferecem descontos em alimentos cuja data de validade está próxima. Contudo, esses produtos passam por rigorosas inspeções para garantir que estão seguros para o consumo. “Nos EUA, as datas de validade são mais uma questão de qualidade do que de segurança alimentar. Mesmo assim, há uma fiscalização constante para evitar problemas”, destacou a jornalista Lisa Morton, da revista “Time”.
Benefícios e cuidados necessários
Entre os possíveis benefícios da medida está a redução do desperdício de alimentos. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), cerca de 931 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados todos os anos no mundo. No Brasil, estima-se que 40 milhões de toneladas de comida sejam jogadas fora anualmente. “Reduzir esse desperdício é uma questão urgente, não só do ponto de vista ambiental, mas também econômico e social”, afirmou Maria Clara Bastos, diretora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).
Porém, para que a proposta seja viável e não coloque a população em risco, alguns cuidados precisam ser tomados. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já sinalizou que, caso a medida seja aprovada, será necessário criar um sistema de rastreamento e inspeção rigoroso para garantir que apenas produtos seguros sejam comercializados. Além disso, será essencial investir em campanhas de conscientização para que os consumidores entendam os riscos e saibam como identificar alimentos realmente impróprios para consumo.
O que dizem os consumidores?
Entre a população, as opiniões são divididas. Joana Silva, de 34 anos, moradora de São Paulo e mãe de três filhos, vê a proposta com bons olhos: “Se for algo seguro e mais barato, pode ajudar muito quem está passando dificuldade. O importante é ter fiscalização”. Por outro lado, Marcos Almeida, de 46 anos, acredita que a medida é perigosa: “Parece mais uma forma de empurrar produtos de baixa qualidade para quem já sofre com tantas limitações”.
Conclusão
A discussão sobre a venda de alimentos vencidos é complexa e envolve questões econômicas, sociais e de saúde. Enquanto a proposta avança nos gabinetes de Brasília, especialistas e entidades da sociedade civil seguem atentos às possíveis implicações dessa medida. O desafio, como apontou a nutricionista Ana Paula Ribeiro, é encontrar um equilíbrio entre a redução do desperdício e a garantia de segurança alimentar. Resta agora saber como o Governo Federal pretende estruturar a ideia para que benefície, de fato, a população sem comprometer sua saúde.